GOVERNANÇA E CONEXÕES PERVERSAS

Trópicos da Esperança
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    Região do Tapajós, Brasil

    As mulheres Munduruku

    Na Bacia do Tapajós, o povo indígena Munduruku, em especial as mulheres, vem resistindo bravamente à violência e aos avanços do garimpo ilegal de ouro em seus territórios. As reações de resistência vão desde ações de autodefesa até denúncias de autoridades públicas e da mídia.

    Marileusa Munduruku, da região do Tapajós, é coordenadora da Associação de Mulheres Wakobarun Munduruku, que desenvolve diferentes ações para fortalecer o movimento anti-mineração, fazendo denúncias ao Ministério Público brasileiro, realizando passeatas e conscientizando as comunidades. a Associação desenvolve ações de proteção e gestão territorial, criando estratégias comunitárias de monitoramento de seus territórios com drones e outros equipamentos doados por organizações nacionais e internacionais. Ao mesmo tempo, continuam a manter suas práticas tradicionais, produzindo artesanato para venda, cantando e dançando, criando seus filhos e netos.

    Aqui você pode saber mais sobre seus movimentos de resistência:

     

    As mulheres Munduruku do Planalto Santareno, da aldeia açaizal, também vêm lutando para manter suas tradições de produção de medicamentos naturais e artesanato. Em oficinas organizadas pela comunidade, as mulheres resgatam suas práticas de produção de pomadas, tinturas, chás e outros medicamentos, estudando as espécies e as formas de produção. As oficinas também contam com a presença de adolescentes e crianças, que aprendem as tradições Munduruku com os mais velhos.

    Figura 14: Mulheres Munduruku da Aldeia Açaizal em um território auto-demarcado localizado no Planalto Santareno, região do Tapajós, Pará, Brasil. Os medicamentos produzidos em oficinas locais desenvolvidas por elas mesmas ajudam a manter suas tradições. Foto: Rafaella Sena
    Figura 14: Mulheres Munduruku da Aldeia Açaizal em um território auto-demarcado localizado no Planalto Santareno, região do Tapajós, Pará, Brasil. Os medicamentos produzidos em oficinas locais desenvolvidas por elas mesmas ajudam a manter suas tradições. Foto: Rafaella Sena
    As comunidades tradicionais quilombolas

    A região do Baixo Amazonas e o Planalto Santareno abrigam 12 comunidades quilombolas cuja origem são africanos e seus descendentes escravizados que trabalharam em fazendas de gado e plantações de cacau, café, arroz e cana-de-açúcar no século XVIII (Acevedo & Castro, 1998 em Rocha et al., 2022). Os quilombos são comunidades africanas e de seus descendentes formadas após a fuga de escravos das fazendas, engenhos e minas no Brasil durante o período colonial e imperial e, posteriormente, com a chegada de ex-escravos (libertos) e suas famílias. Atualmente, essas 12 comunidades estão organizadas por meio da Federação das Organizações Quilombolas de Santarém (FOQS). Nenhuma das terras quilombolas da região tem título definitivo sobre seus territórios. 

    No Lago Maicá, 8 comunidades quilombolas vêm lutando por meio da FOQS para garantir seus direitos de acesso ao Processo de Consulta por Consentimento Livre, Prévio e Informado garantido pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Uma série de terminais portuários está planejada e em processo de instalação no local, que é uma das áreas com maior endemismo aquático na Bacia do Baixo Amazonas. 

    Em setembro de 2020, a FOQS fez uma petição solicitando o ingresso como assistente litisconsorcial na ação civil pública movida contra a empresa Atem’s. A Atem’s é uma empresa de Distribuição de Petróleo criada com o objetivo de vender óleo para os navios que atracam no porto da EMBRAPS. Ambas as empresas estão com o licenciamento ambiental suspenso pela Justiça Federal do Pará. Nos dois casos, a FOQs e a ONG Terra de Direitos denunciaram as ilegalidades dos projetos ao Ministério Público Federal e Estadual.

    Além das inconsistências nos estudos de impacto ambiental, as duas empresas não realizaram o processo de consulta prévia, livre e informada com as comunidades quilombolas e outras comunidades tradicionais que vivem no Lago Maicá. Ambas as empresas continuam com suas licenças suspensas. As comunidades quilombolas permanecem atentas e continuam lutando contra os impactos já sentidos na dinâmica do lago devido ao assoreamento e aos aterros sanitários.

    Para obter mais informações, consulte aqui:

    Figura 15: Lago Maicá, Bacia do Baixo Amazonas, Santarém. Foto: Rafaella Sena
    Figura 15: Lago Maicá, Bacia do Baixo Amazonas, Santarém. Foto: Rafaella Sena
    Figura 16: Distribuidora de óleo da Atem em Santarém, Lago do Maicá. Foto: g1.globo.com
    Figura 16: Distribuidora de óleo da Atem em Santarém, Lago do Maicá. Foto: g1.globo.com
    A Ferrogrão e as comunidades indígenas dos estados de Mato Grosso e Pará

    A ferrovia EF-170, conhecida como Ferrogrão, foi apresentada há mais de uma década por multinacionais do agronegócio ao governo federal. A proposta da ferrovia é ligar as cidades de Sinop, no norte do Mato Grosso, o coração da produção brasileira de soja, ao longo de 933 km, até Itaituba, localizada no sudoeste do Pará, às margens do rio Tapajós. Em Itaituba, há terminais portuários controlados por empresas multinacionais que embarcam grãos principalmente para a China, Europa e Oriente Médio. Em Itaituba, há cinco estações de transbordo operadas pelas seguintes empresas: Amaggi e Bunge, Cargill, Cianport, Hidrovias do Brasil S.A. e Transportes Bertolini Ltda.

    Estima-se que a ferrovia afete mais de 7.300 km² de terras indígenas e pelo menos 48.000 km² de unidades de conservação, e deverá causar o desmatamento de uma área de 50.000 km². O traçado se sobrepõe a 12 comunidades do povo Mẽbêngôkre-Kayapó que vivem nas Terras Indígenas (TI) Baú e Menkragnoti, duas comunidades na TI Panará, além de passar pelos territórios de três povos isolados: Pu’rô, Isolados do Iriri Novo e Mengra Mrari.

    Figura 17: Esboço do projeto da ferrovia Ferrogrão (EF-170), ligando Sinop, no Mato Grosso, a Itaituba/Miritituba, no Pará. Fonte: Rafaella Sena (2023).
    Figura 17: Esboço do projeto da ferrovia Ferrogrão (EF-170), ligando Sinop, no Mato Grosso, a Itaituba/Miritituba, no Pará. Fonte: Rafaella Sena (2023).

    Fonte: Rafaella Sena  (2023).

    De acordo com a Repórter Brasil (2022), o projeto da ferrovia está em andamento há dez anos sem os devidos estudos de impacto socioambiental e consulta prévia às comunidades afetadas, violando os princípios da Convenção 169 da OIT. Os estudos de impacto realizados desconsideravam a maior parte das terras indígenas vizinhas à ferrovia como afetadas pelo projeto e apresentavam uma série de fragilidades.

    Em setembro de 2023, o Supremo Tribunal Federal suspendeu a ação que julgava a constitucionalidade da construção da ferrovia e determinou a elaboração de estudos de impacto ambiental e a consulta aos povos indígenas e comunidades tradicionais afetadas pelo projeto.

    Em 4 de março de 2024, representantes de povos indígenas, comunidades tradicionais, organizações e movimentos sociais do Pará e do Mato Grosso realizaram um “Tribunal Popular” para julgar a Ferrogrão e suas consequências. A acusação do júri apontou uma série de violações de direitos e condenou o projeto a ser imediatamente encerrado. Entre as violações de direitos listadas estão:

    • a não realização de consultas às comunidades de acordo com a Convenção 169 da OIT;
    • a fragilidade dos Estudos de Impacto Social e Ambiental e a falta de avaliação dos efeitos cumulativos de outros projetos;
    • o desrespeito aos direitos da natureza, especialmente dos biomas Amazônia e Cerrado;
    • a desconsideração dos efeitos do processo de planejamento e licenciamento de projetos que já estão gerando especulação de terras, grilagem de terras e desmatamento.
    Figura 18: Indígenas de diferentes etnias protestam em frente ao Porto da Cargill em Santarém durante o Tribunal Popular realizado em Santarém para julgar o Projeto Ferrogrão. Foto de Raissa Azeredo da Repórter Brasil (2024)
    Figura 18: Indígenas de diferentes etnias protestam em frente ao Porto da Cargill em Santarém durante o Tribunal Popular realizado em Santarém para julgar o Projeto Ferrogrão. Foto de Raissa Azeredo da Repórter Brasil (2024)

    Putumayo, Colômbia

    Após décadas de conflito armado e violência que assolaram a Colômbia e foram particularmente graves na região do Putumayo, os últimos anos ofereceram um vislumbre de esperança. Surgiram lutas coletivas e mobilizações contra as indústrias extrativistas, centradas na identidade do Putumayo como um território andino-amazônico, onde as terras altas do Alto Putumayo estão ecológica, cultural e espiritualmente conectadas ao Médio e Baixo Putumayo. O surgimento de novos meios de subsistência alternativos, a exemplo do turismo e das novas culturas de árvores cultivadas em sistemas agroflorestais, significa que as pessoas têm mais opções que lhes permitem diversificar as formas tradicionais e ambientalmente mais impactantes de ganhar a vida. Os mineradores locais e artesanais de pequena escala começaram a formar associações para obter reconhecimento legal das autoridades e iniciaram alianças para restaurar terras degradadas e antigos locais de mineração. ONGs globais de conservação também entraram em cena e oferecem algum apoio aos agricultores que buscam diversificar sua produção agrícola e se envolver em práticas agroflorestais mais sustentáveis. 

    As alianças indígenas e da sociedade civil pressionam ainda mais o governo nacional para restringir os títulos de mineração e lutar pela integridade ecológica e cultural do território andino-amazônico. Em suas lutas, esses grupos também obtêm reconhecimento e apoio nacional e internacional, o que lhes permite usar essa pressão da mídia e o crescente escrutínio público para aumentar a resistência contra novas áreas de mineração.

    Bangka Belitung, Indonésia

    Bangka Belitung é conhecida como a “ilha do estanho” por suas reservas de estanho mais ricas e pela longa história de operações de mineração, mas uma parte considerável da comunidade tem vivido, se envolvido e experimentado a ilha além do estanho. Eles reivindicam e reimaginam a ilha como um lugar onde sua vida se estendeu além do setor extrativista. Enquanto a comunidade de mineiros acredita que a mineração é uma tradição que contribui significativamente para manter seu sustento, os grupos anti-mineração negam que a mineração tenha sido parte de sua cultura e atribuem a prática a migrantes de Sumatra e Java.  As comunidades contrárias à mineração, muitas vezes compostas por grupos indígenas, dependem do mar trabalhando como pescadores tradicionais ou em plantações, pois acreditam que isso causa danos mínimos ao meio ambiente. Além dos graves casos de corrupção no setor de mineração, as comunidades defendem sua posição de que tanto a mineração em terra quanto a offshore são mortais para os trabalhadores e causam sérios danos à pesca local, aos manguezais e aos recifes de coral. Organizadas por uma ONG conectada globalmente, a Friends of the Earth, essas comunidades estão envolvidas em muitos e recentes protestos pedindo ao governo da província que emita uma moratória sobre as licenças de mineração de estanho e realize uma avaliação abrangente das práticas em andamento.  As comunidades de mineradores, no entanto, também têm esperanças. Para manter seu sustento, elas desejam poder minerar abertamente a qualquer momento, sem medo de ataques. Eles querem que o preço de seu minério seja competitivo. Alguns mineradores independentes até esperam trabalhar com empresas maiores ou CVs para garantir a segurança da extração contínua, mas precisam competir com trabalhadores de fora da ilha ou com trabalhadores qualificados para obter emprego. A formalização pode ser uma das respostas, mas eles permanecem em uma posição de desvantagem, pois as áreas de mineração das pessoas designadas frequentemente se sobrepõem às áreas de concessão empresarial da PT Timah. Eles não têm outra escolha a não ser trabalhar com empresas estatais ou privadas para sobreviver. Ainda que as condições impliquem ganhar menos, sem segurança, assistência médica ou equipamento de trabalho adequado, esta é a única ou a melhor opção. Alguns deles, que não são considerados legíveis pelo sistema formal ou considerados irrelevantes para o mercado de trabalho, optaram por continuar a mineração nas áreas de trabalho da PT Timah, seja de forma independente ou com um pequeno grupo, e vender os minérios em outro lugar.  Embora a tensão social de longa data persista entre as comunidades que, de um lado, acreditam que o estanho é uma bênção e aquelas que, de outro, estão convencidas de que é uma maldição, a história de esperança das ilhas vem de ambas as comunidades. É a esperança de chamar Bangka Belitung de lar, onde eles poderiam se adaptar e manter a vida cotidiana.
    Figura 19: Um pescador em Bangka está feliz com o aumento de 80% na captura devido à área de pesca apoiada pela PT Timah.
    Figura 19: Um pescador em Bangka está feliz com o aumento de 80% na captura devido à área de pesca apoiada pela PT Timah.

    Kalimantan Ocidental, Indonésia

    A Indonésia, o maior produtor mundial de óleo de palma, é um excelente exemplo da complexa interação entre desenvolvimento econômico, sustentabilidade ambiental e justiça social. O setor de óleo de palma trouxe benefícios econômicos significativos para o país. No entanto, sua rápida expansão também levantou preocupações sobre o desmatamento, a perda de biodiversidade e a ameaça à sobrevivência de espécies ameaçadas de extinção. Além disso, a expansão das plantações industriais de dendê tem sido associada a conflitos fundiários e ao deslocamento de comunidades indígenas. Essas questões sociais destacam a necessidade de abordagens mais equitativas e sustentáveis para o cultivo do dendê.  

    Desde o desenvolvimento do setor de óleo de palma na Indonésia, no final da década de 1980, os conflitos decorrentes também têm sido registrados como crescentes. Embora não haja dados oficiais do governo sobre os conflitos existentes, os relatórios da mídia local demonstram que quase mensalmente há notícias sobre conflitos relacionados ao óleo de palma. Os conflitos ocorrem não apenas entre as empresas e as comunidades cujas terras são tomadas e convertidas em plantações de dendê, mas também entre as empresas e seus trabalhadores. No entanto, esforços para superar e prevenir incidentes semelhantes também estão sendo realizados com mais intensidade pelo governo e por organizações da sociedade civil que colaboram com acadêmicos.

    Isso cria uma esperança de que o futuro da Indonésia em relação a produção e comercialização de óleo de palma pode ser melhor. O otimismo decorre do fortalecimento do ativismo de base que aparentemente se tornou um “cão de guarda” sobre os detentores de poder e das empresas que continuamente utilizam abordagens jurisdicionais para incentivar uma nova estrutura regulatória para proteger os pequenos produtores e os trabalhadores. 

    O governo provincial de Kalimantan Ocidental, por exemplo, começou a desenvolver um Procedimento Operacional Padrão (POP) para mecanismos de reclamações e queixas para o setor agrícola a fim de abordar questões relacionadas a conflitos em torno da produção do óleo de palma em 2019. Além disso, o governo provincial de Kalimantan Ocidental, especialmente a Agência de Plantação e Pecuária, está realizando uma capacitação voltada aos “burocratas em nível de rua”(atores sociais que atuam na base) para aprimorar seu conhecimento sobre a importância dos mecanismos de reclamações e queixas para a rápida redução e agravamento de conflitos.

    A perspectiva também veio de acadêmicos que dão muita atenção aos conflitos em torno do óleo de palma e buscam encontrar uma solução contextualizada que ajude os formuladores de políticas a avaliar e minimizar os problemas. 

    De acordo com um estudo colaborativo intitulado “Palm Oil Conflict and Access to Justice in Indonesia” (Conflito do óleo de palma e acesso à justiça na Indonésia), ou POCAJI, foi declarado que nas últimas duas décadas ocorreram 69 conflitos entre comunidades locais e megaempresas, relacionados ao desenvolvimento e ao gerenciamento de plantações industriais de palmeiras de dendê. A pesquisa é uma colaboração entre a Universitas Andalas, o KITLV Leiden, a Wageningen University e seis diferentes ONGs na Indonésia e tenta mapear os tipos de abordagens na resolução de conflitos sobre a produção do óleo de palma e também examinar a eficácia dos mecanismos de resolução de conflitos em Kalimantan Ocidental. Você pode obter mais informações sobre o estudo POCAJI aqui.  

    Outro estudo realizado por Abram, Meijaard, Wilson et al. (2017) também sugeriu que mecanismos como a abordagem jurisdicional realmente ajudariam a evitar conflitos semelhantes. um bom exemplo é o mecanismo do Consentimento Livre, Prévio e Informado (FPIC), que poderia ser um divisor de águas. Encontre o estudo de Abram, Meijaard, Wilson et al. (2017) aqui

    Além disso, os movimentos de baixo para cima (bottom up) conduzidos por instituições da sociedade civil e comunidades afetadas pelas plantações de dendê, são robustos. Eles realizaram manifestações que, com frequência, fecharam o acesso às estradas para os equipamentos pesados de empresas (retroescavadeiras e escavadeiras). Eles também exigiram que a instituição dos representantes do povo (DRPD) ouvisse suas discordâncias e pressionasse os governos central e provincial na direção de suas aspirações. Não apenas em nível nacional, várias comunidades que enfrentam conflitos relacionados à expansão do óleo de palma tentam estabelecer colaboração com ONGs locais e, ao mesmo tempo, utilizam redes internacionais para pressionar as empresas a encontrar soluções que as beneficie. 

    Um bom exemplo é o conflito que ocorreu entre a comunidade étnica Dayak Hibun em Sanggau, Kalimantan Ocidental, e a PT Mitra Austral Sejahtera (PT MAS). Essa comunidade apresentou uma reclamação à RSPO porque considerou que a empresa havia violado vários princípios. Veja a história dos conflitos dos Dayak Hibun com a empresa aqui.

    Figura 20: Pequenos proprietários indonésios pesam os cachos de frutas frescas antes de serem transportados para os moinhos. Fonte: documentação pessoal.
    Figura 20: Pequenos proprietários indonésios pesam os cachos de frutas frescas antes de serem transportados para os moinhos. Fonte: documentação pessoal.

    GOVERNANÇA E CONEXÕES PERVERSAS